Brincar é uma das primeiras formas pelas quais a criança interage com o mundo. Longe de ser apenas uma atividade recreativa, a brincadeira é essencial para o desenvolvimento integral dos pequenos. No processo de brincar, a criança experimenta, aprende, se relaciona e constrói sua compreensão de si mesma e do outro.
Nas últimas décadas, diferentes pesquisas e diretrizes educacionais têm reforçado o papel do brincar no desenvolvimento das habilidades socioemocionais, um conjunto de competências que influenciam diretamente a forma como o indivíduo lida com suas emoções, estabelece relações e enfrenta desafios cotidianos.
A importância do brincar no desenvolvimento socioemocional da criança
Essas competências e habilidades, como a empatia, a autorregulação, a colaboração e a resiliência, não são aprendidas apenas em sala de aula. Elas são vivenciadas no cotidiano da criança, especialmente nas interações lúdicas.
Brincar como linguagem da infância
Na infância, brincar é a principal forma de expressão da criança. Seja com jogos simbólicos, brincadeiras de faz de conta ou atividades motoras, a criança transforma o mundo da imaginação em um cenário onde pode explorar emoções, elaborar conflitos e criar novas possibilidades. É por meio do lúdico que ela compreende papéis sociais, ensaia comportamentos e desenvolve autonomia.
Para o psicólogo e epistemólogo Jean Piaget (1978), o brincar é uma forma da criança assimilar o mundo à sua maneira. Ele observava que, por meio das brincadeiras simbólicas, a criança “reconstrói a realidade que vivencia”, internalizando experiências e adaptando-as ao seu próprio universo.
Essa atividade espontânea permite que ela organize pensamentos e sentimentos, num processo essencial ao desenvolvimento da inteligência e da afetividade.
Além disso, o brincar estimula o desenvolvimento da linguagem, da atenção e da criatividade. Ao negociar regras com colegas, aprender a esperar a vez ou lidar com a frustração de perder em um jogo, a criança não só se diverte, como também constrói repertório emocional.
Dessa forma, essas vivências são fundamentais para formar indivíduos capazes de resolver problemas, tomar decisões e conviver em sociedade de forma saudável.
A conexão entre brincar e a saúde emocional
A ciência também tem mostrado que o brincar impacta diretamente a saúde mental das crianças. Brincadeiras livres e espontâneas ajudam a aliviar tensões, contribuem para a autorregulação emocional e reduzem sintomas como ansiedade e irritabilidade. Ao permitir que a criança expresse o que sente, mesmo sem usar palavras, o brincar funciona como uma ponte entre o mundo interno e o externo.
Nesse contexto, ambientes que favorecem a ludicidade — como espaços escolares, brinquedotecas e até o próprio lar — tornam-se fundamentais. No entanto, muitos desses espaços têm sido reduzidos diante de rotinas aceleradas, excesso de estímulos digitais e falta de tempo ou segurança para brincar ao ar livre.
Essa restrição pode afetar o desenvolvimento emocional da criança, comprometendo a capacidade de criar vínculos, reconhecer limites e compreender sentimentos.
Competências socioemocionais como base para a vida
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que orienta a educação no Brasil, também reconhece a importância do desenvolvimento socioemocional como parte integrante da formação escolar. Segundo a BNCC, essas competências atuam como fatores de proteção à saúde mental e ao enfrentamento de situações como o bullying e a exclusão social.
Entre as competências previstas na BNCC estão a empatia, o respeito ao outro, a responsabilidade e a autoconsciência — competências socioemocionais que são potencializadas por meio das atividades lúdicas.
Ao brincar, a criança compreende regras e vivencia valores como solidariedade, escuta ativa e convivência ética. Essas habilidades, uma vez desenvolvidas na infância, tendem a se fortalecer ao longo da vida, impactando o desempenho escolar, as relações interpessoais e até a vida profissional.
O papel das escolas e dos programas socioemocionais
Reconhecendo essa relevância, muitas escolas têm incorporado em suas rotinas atividades que valorizam o brincar como ferramenta pedagógica e emocional. No meio disso, também se destacam programas voltados para o fortalecimento socioemocional de forma mais estruturada, com propostas que dialogam diretamente com o universo infantil.
É o caso do programa LIV (Laboratório Inteligência de Vida), que trabalha com estudantes da Educação Infantil ao Ensino Médio. O LIV propõe momentos específicos em sala de aula para que as crianças e adolescentes possam refletir sobre suas emoções, por meio de histórias, vídeos, jogos e dinâmicas interativas.
A proposta do programa é desenvolver a inteligência e as habilidades socioemocionais socioemocional por meio de um espaço seguro de escuta e fala, onde os estudantes aprendem a reconhecer sentimentos, resolver conflitos e fortalecer relações saudáveis.
Embora a ludicidade esteja presente no conteúdo, o diferencial do programa é unir o brincar à escuta ativa, ao diálogo e à construção coletiva de valores, reforçando que o desenvolvimento socioemocional também pode e deve ser planejado de forma intencional no ambiente escolar.
Entre o espontâneo e o estruturado
O equilíbrio entre o brincar espontâneo e as atividades planejadas é fundamental. De um lado, a liberdade da criança para criar suas próprias brincadeiras estimula a autonomia e a criatividade; de outro, ações estruturadas oferecem suporte para o desenvolvimento de competências muitas vezes difíceis de serem abordadas sem uma mediação adulta.
Cabe a famílias, escolas e sociedade reconhecerem que brincar é um direito da criança, emas também uma necessidade para seu desenvolvimento integral. Afinal, proporcionar tempo, espaço e estímulo ao brincar é contribuir diretamente para a formação de indivíduos emocionalmente saudáveis, mais seguros de si e mais empáticos com os outros. Além de entreter, a brincadeira ensina e conecta.
Credito Imagem – freepik.com
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